24.4.07

 
“A minha casa é uma caixa de papelão ao relento”

Da música “Inverno”, de José Miguel Wisnik


Não preciso de água porque a lua me banha. O banho e o cheiro podem não ser dos melhores, mas entorpecem os ratos que insistem em retornar ao seu (agora meu!) habitat.

Já os habitantes daqui não valem os ratos que comem. Porque comida pode até faltar, mas educação nunca.

Assim, sempre agradeço a quem me dá um real, dez centavos, um centavo, um cuspe ou mesmo àqueles que regam meus pesadelos jogando álcool e me tacando fogo. Pois só a pinga e o álcool e seus fogos internos e externos podem queimar e cremar essa ausência. Ausência de família, de amigos, de mulher e de mim.

Porque um dia na vida eu fui alguém. Tive tudo isso que hoje é só lembrança. E também já tive esse mesmo olhar de orgulho e desprezo que você está me atirando agora pelo simples fato de achar que nunca acabará aqui nesta caixa onde, além de aguardar o meu fim, guardo um cantinho especialmente reservado para você.

17.4.07

 
“Desvio para o vermelho”

Título de instalação de Cildo Meireles


Nesta casa não se fala em vermelho!

Não se lembra do que aconteceu? Já conseguiu esquecer da queda, do barulho, da cena, da agonia? Quer passar por tudo aquilo de novo? Não sofreu o bastante? Sua vida anda tão mar de rosas que não tem espinho?

Não importa se já passaram mais de dez anos. Enquanto eu for vivo, nesta casa não se pensa, não se veste, não se compra, não se come, não se respira e não se fala em vermelho.

Só eu sei o trabalho que deu pra limpar as manchas que impregnaram mais na minha mente do que no chão e nas paredes. Como foi difícil esquecer aquele cheiro que afogava minhas narinas me embriagando. E como tudo de repente parecia não ter outra cor a não ser essa que desgraçou nossas vidas, já tão sem graça, para sempre.

Porque aquela sexta-feira merecia ter outra cor. Nosso destino merecia ter outra cor. E porque a qualquer momento essa maldita cor pode voltar e querer ficar escorrendo ainda mais em nossas memórias.

10.4.07

 
─ Que qui cê tem de goró aí? Porque eu não preciso beber pra ficar alegre


─ Que qui cê tem de goró aí?
─ Não, obrigada. Até porque eu não preciso beber pra ficar alegre.
─ Eu queria uma coisa que desse um grau.
─ Tem gente que precisa. Eu, não.
─ É que lá dentro tá cheio de mina, mas os bagulho são mó caro.
─ Já sou alegre por natureza.
─ Cê faz três por quanto?
─ Eu tô sempre ligada nos 220.
─ Pô, grande, cê pode dá um chorinho?
─ Você sempre bebe bastante assim?
─ Que nada, essa ainda é a segunda...
─ É que você já tá falando meio enrolado...
─ Mano, ficou meio fraca, cê pode dá uma completada pra mim?
─ Você se lembra do meu nome ainda?
─ Se tivesse pinga com mel, este forró ia ficar pequeno...
─ Bom, tô indo.
─ Já???
─ Tchau.
─ Pô, espera!
─ Cuidado aí depois...
─ Vê outra pra mim?

2.4.07

 
Aeroporcos


O que importa é se o lucro da minha empresa tá subindo ou não.

De resto, quero que se dane!

Essa pobreada que fez subir ao poder esse governo tão ralé tem mais é que ficar no chão mesmo; nível de onde nunca deveria ter saído.

Se tão berrando por terem perdido o aniversário da sogra ou seu compromissozinho, não tô nem aí. Até porque compromisso pra mim é coisa de 10 milhões pra cima.

Não sabem o que é overbooking? Não entendem que se cada vôo não lotar como se fosse um curral cheio minha rentabilidade voa pelas ares? Acham que tenho que servir almoço e janta pra quem não sabe nem o que é foie gras?

Se soubessem quantos pontos cegos não são cobertos por radar neste país já ficariam felizes de chegarem vivos. Ainda que a espera nos aeroportos seja de matar e que dormir no chão seja apenas um bom test drive pro cargo de mendigo que eles merecem ser.

Porque quando tudo isso explodir, e vai explodir um dia, eu vou estar bem longe daqui. Voando com meu jatinho para um paraíso. Fiscal.

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