30.12.08

 
Presente de natal


A cartela vazia de calmante dormindo feliz no chão por não ter precisado esperar dar meia-noite.

23.12.08

 
Quando a cama quebrou

“Cada minuto de céu é pra ter
Um gosto melado do seu suor
Salgado pedaço de um amanhecer”
Otávio Toledo, cantado ao vivo por Bruna Caram


Quando a cama quebrou, a gente não se agüentava em si, e si inexistia, por não nos reconhecermos dois naqueles momentos onde um era o outro e não éramos nada menos do que tudo.

Os desejos não só falavam como gritavam mais forte, abafando convenções, vergonhas, medos e os comentários de quem não entendia nossa eterna urgência.

As vontades eram sabidas, adivinhadas, repetidas e intensificadas até o intenso instante que parecia nunca chegar, e tão bom que não viesse, e melhor que demorasse, e ótimo ter finalmente eclodido num estrondo que pôs corpos e almas no chão e os ouvidos da rua em alerta.

Sossegados de tanto desassossego, não falamos palavra, que a cena dizia por si, num palco onde não era preciso interpretar.

Quando a cama quebrou, eu e você não tínhamos nos despedaçado ainda.

17.12.08

 
Caixinha de natal


Ao contrário do que pensa, não há nenhum dinheiro nesta caixinha.

Essa nota de cinqüenta que você acabou de colocar, pra mim não é nada. Não representa nem um centavo de cada um dos 365 dias de sacrifício que faço pra aturá-lo.

Não vale um dente do sorriso forçado que dou, enquanto fico de pé lá fora até nos dias de frio intenso e chuva, quando você chega com seu carrinho do ano e uma garota do lado. Não paga a piadinha que fez quando saiu de novo depois de comê-la (juro que ouvi: “olha como treme aquele trouxa ali”) e o riso de deboche da putinha pra mim.

Não compensa a vida que arrisco aqui pra proteger esse seu patrimônio que dá mil vezes meu salário. Em dez encarnações.

Ou a úlcera que explode em meu estômago todas as vezes que pede uma pizza e eu não tenho grana nem pra pagar uma coxinha.

Muito menos a dor nas pernas que sinto enquanto você estica as suas na beira da piscina.

Esta caixinha não é de natal. Ela é minha vontade de transformá-la no seu caixão.

9.12.08

 
A Bienal hoje é um tobogã de emoções

(ou A Bienal do Vazio)


A nível de arte, não há nada mais substancialmente substancioso e substancial do que eu... digo, nós fizemos.

Esse andar vazio, criticado por quem não tem o mínimo de cultura estética, representa uma revolução, no sentido em que permite que o espectador, após visitar a riqueza cultural exposta, dialogue com o espaço num ambiente propício pra ruminar as miríades de conceitos vanguardísticos aqui apreendidos.

Nesse sentido, criei, ou melhor, criamos uma inovação ímpar na história das artes. Venho gente do Tate, do Guggenheim e do Pompidou pedir pra copiar a idéia. Autorizamos? Claro que não! Só por milhões em royalties.

O tobogã? Ah, é a obra-síntese desta bienal. Nele o público vira objeto da própria instalação, reciclando os conhecimentos e vivendo um tobogã de emoções culturais. Venho gente da Disney, do Hopi Hari e do Circo Vostok querer fazer igual.

Por isso, repito: a “Bienal do Vazio” sai das críticas para entrar pra história!

2.12.08

 
A gente não se bate muito


Eu só cuido da filha dela. Ela mora por aí, com umas pessoas estranhas. Quase não vem visitar a menina. A coitada já me chama de mãe e às vezes até se esquece da outra. Mas lembrar também pra quê? Não contribui com nada. Não dá presente. Não aparece nem no aniversário. Mal repassa a grana da pensão do pai. Que também é outro desajustado. Torra quase tudo em cigarro e em barzinho. E eu fico aqui. A trouxa. Cuidando. Dando de comer. Lavando fralda suja e roupa pra fora para sustentar a casa. Como fiz a vida inteira. As coisas são assim, né? Olha, falando nisso, eu tô com uma panela no fogo. Tenho que desligar. Não tenho o celular novo dela, não. A gente não se bate muito. Aliás, bati muito nela quando ela era criança. Adiantou? Nada. Taí, batendo cabeça na vida. Você quer mesmo falar com ela? Sei lá, moço, tanta garota boa nesse mundo. Respeitadora. De igreja. Você parece ser uma pessoa de bem. Tá interessado logo na minha filha?

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