31.5.17

 
Falha estrutural de caráter II


Começou com uma poeirinha que caía dos olhos e minava lágrimas secas de concreto, como se a própria tristeza se recusasse a lavar a porquice que a originara.

Depois eclodiram as múltiplas rachaduras que permeavam continuamente um lodo esverdeado para nos lembrar que nossas verdes e imaturas esperanças eram varizes prestes a explodir em bombas de trombose.

Mesmo o alicerce, onde depositamos todas as nossas fianças e confianças, tremulava mostrando que, no país onde tudo acaba em pizza, havíamos criado um monumento à la torre de Pisa.

Nossa ode à justiça resplandecia o ódio dos injustiçados.

Anos de trabalho buscando a perfeição e só conseguimos erigir um concreto armado que nunca nos amara e, pior, só se armava contra nós.

A queda seria breve.

Já a nossa queda, por mais alto que julgávamos ser, só provaria que um povo esculpido em falsas poses nunca teria posses.

Nem mesmo a de si.

2.5.17

 
Falha estrutural de caráter


Nós a construímos.

Ela ficou de pé.

Sólida e íntegra no seu concreto que resplandecia imponência e fé na humanidade.

Seria um ícone para toda a sociedade se espelhar.

Foi o que de melhor poderíamos ter feito.

Era perfeita. Só faltava falar.

E falou.

De cara, uma reclamação: “xi, lá vêm os baianinhos me polir de novo”.

Achamos normal. Meses levando pequenas marteladas e sendo polida.

Então, disse que a vista não era boa. Que “o lugar não era privilegiado”. Justo o ponto mais alto da vila...

Mudamos 15 vezes. Na 15a, parou de reclamar.

Do local, pois agora se queixava dos que iam admirá-la. Sentia o “cheiro de enxofre que jorrava dos seus suores operários”. Distribuímos perfumes a todos.

Depois, praguejou contra o frio. Estátua tem frio? Duvidamos... Mas a enrolamos em cobertores.

Falou que estava com calor.

Que a comida era péssima.

Que ninguém era do seu nível.

Martelamos cada pedacinho dela até virar pó.

E juramos que jamais faríamos outra que fosse tão fiel a nós assim.

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